Psiquiatria pode ajudar a entender o comportamento de pessoas fanáticas

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O Brasil que testemunhou a eleição mais polarizada de sua História em 2022 e que assistiu à invasão da sede dos Três Poderes, no início de janeiro de 2023, tem visto emergir pessoas cada vez mais fanáticas e extremistas. Muito inflamada pelas redes sociais e seus algoritmos, essa realidade não é exclusiva do universo político. Acontece também por meio da religião, de times de futebol, no universo artístico, entre influenciadores digitais. E a psiquiatria pode explicar parte desse contexto.

“Apesar de apresentar características como intolerância, inflexibilidade e certos níveis de violência, física ou psicológica, o fanatismo não é classificado como uma doença, mas, é um tipo de comportamento disfuncional”, afirma o psiquiatra Júlio Dutra, reeleito presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria (Appsiq). De acordo com o especialista, esse comportamento apresenta teimosia, inflexão para argumentos e opiniões contrárias além da defesa excessiva e obsessiva de uma personalidade ou de uma ideia.

O ditado “política, futebol e religião não se discutem” revela justamente em que contextos é possível observar o fanatismo com mais frequência. Entretanto, quando é que o fanatismo deixa de ser um comportamento e passa a ser considerado um distúrbio psiquiátrico? “Muitos estudos apontam que esse comportamento beira a psicopatias como esquizofrenia e psicose, principalmente, quando passa a comprometer e prejudicar a vida de outras pessoas e dos que convivem com ela”, afirma Júlio Dutra.

Características

Em fevereiro de 2021, um estudo publicado no periódico The Royal Society Publishing mostrou que alguns traços psicológicos estavam totalmente conectados à radicalização, fanatismo e extremismo. O resultado aponta que pessoas mais extremistas normalmente apresentam desempenhos ruins em tarefas mais complexas. Além disso, indivíduos com posições políticas mais conservadoras tendem a ser mais cautelosos porque seus cérebros dão prioridade a abordagens mais lentas e precisas.

“Ao estudarmos as características cognitivas das pessoas, é possível observarmos um processo inconsciente através do qual pode-se relacionar com suas visões de mundo”, ressalta o presidente da Appsiq. Isso porque, de acordo com a pesquisa, o nascimento do radicalismo está diretamente ligado a uma visão simplista do mundo, à busca de soluções imediatistas e simplificadoras. Ou, então, à divisão das coisas em uma dicotomia que opõe certo e errado, bem e mal, por exemplo.

Entre a linha tênue que separa o fanatismo do distúrbio psiquiátrico está, também, o dogmatismo. Além da impulsividade, outra característica que as pessoas dogmáticas apresentam é a dificuldade, mesmo que sutil, em processar mentalmente problemas complexos. Por um lado, conforme o estudo, isso leva à tomada prematura de decisões fundamentadas em informações, evidências ou fatos mal compreendidos. Por outro lado, os indivíduos fanáticos tendem a uma suscetibilidade a ideologias tóxicas, dogmáticas e autoritárias.

“Não há viés político, religioso, futebolístico ou artístico: de qualquer um dos lados, as pessoas fanáticas tendem a apresentar essas características apontadas pela pesquisa. Basta olharmos ao nosso redor e certamente encontraremos amigos ou, até mesmo, familiares que possuem essas características comportamentais”, avalia o psiquiatra Júlio Dutra. O médico explica que é preciso entender os processos cognitivos de cada pessoa para obter um diagnóstico de fato.

Solução

Não é fácil encontrar caminhos para a solução de problemas difíceis de serem diagnosticados ou complexos de serem definidos, como é a questão do fanatismo. “É preciso ressaltar a importância do acompanhamento de um profissional capacitado, especializado no assunto e bastante sensível à realidade e contexto em que se vive”, observa Júlio Dutra, presidente da Appsiq. Afinal, de acordo com ele, o fanático nem sempre admitirá esse tipo de comportamento e, dessa forma, dificilmente irá em busca de ajuda profissional.

A pesquisa apontou ainda que não é certo que os traços cognitivos, que levam a algum tipo de fanatismo, possam ser “consertados”. Apesar disso, há sempre alguma esperança. “O ser humano é completamente adaptável, mutável e, como mostra o estudo, podemos mudar, transformar-nos, crescermos e desenvolvermo-nos a ponto de nos tornarmos mais abertos e tolerantes uns com os outros. Pessoas com estes traços devem entender que viver dessa forma é extremamente prejudicial, que o importante é saber lidar com essa situação e dar os passos no caminho do entendimento”, diz o médico. Júlio Dutra afirma ainda que pessoas consideradas fanáticas com traços de distúrbios psíquicos podem ser auxiliadas pela psiquiatria, especialidade médica que busca contribuir com a melhora cognitiva e funcional daqueles que a procuram.

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