Poucos filmes contemporâneos enfocam com tamanha densidade indagações sobre a existência de Deus como “O Cristo cego”. A obra chilena consegue, por intermédio de uma história aparentemente simples, indagar por que motivo boa parte do planeta parece estar mergulhada numa crise de desesperança.
O protagonista é um personagem que, após pedir para um amigo que crave as suas mãos numa árvore, encontra uma fogueira, que interpreta como sendo uma manifestação de Deus. Considera-se assim capaz de realizar pequenos milagres, embora sem provas concretas sobre isso, a não ser uma fé muito pessoal, que o leva a andar descalço pelo deserto
Desenvolve, assim, uma crença panteísta que o leva a acreditar que Deus não se manifesta nos santos ou em forças externas, mas está no interior de cada pessoa. Com essa mensagem, passa a ser considerado por parte da população local o próprio Cristo ou uma espécie de emissário divino. E suas palavras e ações começam a indicar caminhos para pessoas sem esperança.
O retrato de um Chile desértico, marcado por favelas e pela solidão existencial, dão ao filme dramaticidade, acentuada pelas fábulas que o protagonista conta sempre que questionado sobre assuntos religiosos. Suas histórias, de forma mais ou menos explícita de acordo com o caso, trazem alento numa sociedade com desalento instaurado.
Nesse sentido, de histórias que representam o espírito de uma época, o maior ensinamento vem de um ex-presidiário que cuida de uma igreja na ausência do padre e explica que a fé é algo que preenche o vazio do ser humano. “O Cristo cego” pontua questões correlatas com um triste e comovente lirismo realista, abrindo a frágil possibilidade de um amanhã melhor.
Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.