A vitória de um projeto

O filme “O gênio e o louco” traz dois dos mais carismáticos atores de sua geração, Sean Penn e Mel Gibson, representando, respectivamente, dois pilares na vida real da criação do Dicionário Oxford. O primeiro interpreta um assassino esquizofrênico que contribuiu com mais de 10 mil verbetes; o segundo, o líder de uma empreitada megalomaníaca, que tinha aparentemente tudo para dar errado.

O destino une esses dois homens que pareceriam não ter nada em comum. Aquilo que os aproxima é o amor às palavras. Ambos estabelecem a suas ordenações de mundo por meio dos significados e história dos termos. De temperamentos distintos, conseguem dialogar justamente por verificar que, na história dos vocábulos, existem elementos comuns que constituem um jogo sem fim.

O personagem esquizofrênico apresenta uma história de rara beleza existencial. Após marcar um traidor de guerra no rosto com ferro em brasa, vê-se mentalmente assombrado por ele e, nessa ausência de fronteiras entre realidade e fantasia, termina por cometer um assassinato. Destrói uma família e, internado por demência, decide doar sua renda para a viúva.

A questão é que esta mulher, após visitá-lo numa clínica, acaba por se apaixonar por ele. E aí a sua agonia chega às raias do insuportável, pois tem a consciência que matou aquele homem duas vezes: uma fisicamente, com uma arma; e outra emocionalmente, no coração da esposa. Assim, sua desconexão da realidade se amplia ao menos temporariamente.

O fato é que o projeto do Dicionário só teve sucesso pela junção do trabalho obsessivo desse prisioneiro, um médico cirurgião militar que, além de ter uma vida peculiar, foi vítima dos violentos tratamentos do século XIX aplicados em casos de incompreendidas doenças mentais. Já o líder da empreitada, sacrifica o convívio com a família para passar à posteridade.

O filme de Farhad Safinia torna-se, assim, um paradigma para entender como projetos grandiosos e improváveis podem ser bem-sucedidos se forem movidos por um sonho, uma determinação, uma vontade. Neste caso, ainda há mais um fator a ser lembrado: a academia entregou a um autodidata a condução do projeto – e a obra mostra quanta resistência e torcida interna contrária ele teve que enfrentar, pelo fato de não ter grau universitário, para levar o processo do livro adiante.

Em síntese, vale a pena conhecer este filme pela diversidade e profundidade de temas levantados. Há exemplo de determinação, preconceito com a chamada loucura, mulheres sofridas e apaixonadas (mas não submissas), gerenciamento de projetos e percepção dos próprios sucessos e fracassos dentro de uma perspectiva humanista, não monetarista ou utilitária. Não deixe de ver!

Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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